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The Ganjas ("That's The Fuckin' Band!!")


Texto por Pedro Dias



Já imaginou uma banda de rock que mescle elementos de psicodelia, reggae, shoegaze, stoner, dub e space rock? Provavelmente não. Parece improvável que isso seja possível de forma coesa, mas... essa banda existe! Trata-se do The Ganjas, de Santiago, no Chile. Mas antes de abordarmos sua origem e sua obra, vale a pena destacar como a banda viria a ficar conhecida por grande parte de seus fãs mundo afora (inclusive, pelo autor deste texto). A ponte que permitiu este intercâmbio tem nome e sobrenome: Andy Bell. Onipresente, Andy está em tudo o que nos cerca.


Em 2009, quando o Oasis fazia o que seria sua última tour pela América do Sul, houve uma entrevista pra lá de curiosa com a banda em sua passagem pelo Chile. Além de ter sido feita com Andy e Gem Archer - algo raríssimo, já que Noel e Liam Gallagher sempre foram os mais procurados -, que ofereceram uma perspectiva de dentro da banda nunca antes vista, ela proporcionou um momento que se tornou um verdadeiro hit entre seus fãs. Quando o entrevistador comenta sobre uns amigos que têm uma banda local que gostariam de presenteá-los com alguns CDs, o sempre contido e discreto Andy Bell reagiu da seguinte maneira:


Tamanho entusiasmo poderá ser facilmente compreendido por vocês a partir de agora.


Da esquerda para a direita: Luife, Pape, Aldo e Sam (Fonte: Instagram da banda @the_ganjas_rock)

Formada em 2000 por Samuel "Sam" Maquieira (guitarra/vocal), seu primo Rafael "Pape" Astaburuaga (baixo/vocal) e Aldo Benincasa (bateria), os Ganjas passam 3 anos fazendo muitas jams até lançar seu homônimo álbum de estreia em 2002, no qual contaram ainda com Luis Felipe "Luife" Saavedra como tecladista oficial da banda, e a participação de Miguel "Comegato" Montenegro (Yajaira) fazendo a guitarra fantasma.


The Ganjas (2002). Bem discretos...

Logo em seu debut, a banda já exibe um entrosamento perfeito, além de muita coragem, tanto na sonoridade multifacetada como nas referências canábicas. Da stoner abertura Comes from the Sun a New Reactor, faixa de encerramento shoegazer, com aquela típica intensidade de um final de disco, "The Ganjas" passa por letras em inglês e espanhol; pela explícita e divertida Rock de la Ganja; a cadência dramática, romântica e universal de Pelusóna ensolarada Let's Go to the Beach, um reggae-rock-psicodélico praiano; a noturna e carregadíssima Darkside; e a progressiva This Is the Time, um épico de quase 15 minutos de duração que já empolga na introdução swingada, com timbres e levada que caberiam tranquilamente em um disco do Supergrass.


Com este sólido e imponente cartão de visitas, não é de se espantar que chegamos em 2005 com o lançamento de "Laydown" - uma obra-prima, pura e simplesmente.


Laydown (2005). O naipe dos gênios...

Este é o trabalho mais melódico da banda, e o que mais remete às influências britânicas de seus integrantes. Ao longo das 9 faixas da tracklist original - na edição disponível no Spotify há, por exemplo, La Lluvia No Quiere Caer como bonus track, uma das canções mais populares do conjunto -, é impossível não lembrar de bandas como Ride, The Verve (ou early Verve), Primal Scream e The Stone Roses. Além dos americanos garageiros do Black Rebel Motorcycle Club, que transbordam no refrão de Cure. Músicas como Alondra e Laydown mudam a atmosfera já nos primeiros segundos, de tal forma que o ouvinte pode sentir na pele (OK, isso pode ser efeito da metalinguagem "ouvir The Ganjas fumando um ganja"). Maravilhosas. Luife brilha nos teclados e na escaleta nesse que seria seu último álbum como membro do The Ganjas. Dance Hall é o épico da vez: 9 minutos de chapação digna das pistas de Manchester das décadas de 1980 e 1990. Não por acaso, foi a música que fez Andy Bell surtar num quarto de hotel na Argentina, em 2006.


Depois desse frenesi de guitarras, é como se Moonlight Cat fosse a saída da boate, aos passos embriagados, atravessando becos iluminados pelo luar, dançando e tropeçando rumo a alguma mesa de bar pra matar a fome e beber mais um pouco. Novo destaque para Luife. Se despediu com estilo o garoto.


Daybreak (2007)

2007 e isso já foi dito antes, mas as coisas são como são, e "Daybreak" é outra obra-prima. Sem dúvidas, forma com "Laydown" o ápice da discografia da banda. Tamanha é a qualidade deste trabalho que é de se aproveitar a oportunidade pra dizer, simplesmente, que todas as canções são perfeitas. E mais "easy listening" que seu antecessor, que demanda um pouco mais de dedicação do ouvinte para entender alguns momentos.


"Daybreak" é o álbum que apresenta o maior protagonismo do excelente e carismático baixista Pape, com uma abordagem mais focada no dub. Rodrigo Astaburuaga, guitarrista e irmão de Pape, se juntou ao grupo para as gravações, agora sem o tecladista Luife, tornando a formação mais guitarreira que nos álbuns anteriores. Até porque, um outro guitarrista, responsável pelo estúdio e pela gravação do álbum, não somente participara como convidado, como tornara-se membro oficial do The Ganjas após a finalização do trabalho. Trata-se de Pablo Giadach, que com a mudança de Rodrigo para a Europa, assume o papel de segundo guitarrista daquela que é até hoje a formação mais longeva dos 20 anos do grupo, junto a Sam, Pape e Aldo.


A atmosfera de "Daybreak" é predominantemente obscura e sorrateira, o que não a impede de ser envolvente e dançante (sabe The Guns of Brixton? Pois é), com momentos enérgicos e agressivos, como a abertura arrasa-quarteirão Sonic Redemption, uma das canções mais celebradas da carreira dos Ganjas, e o petardo alucinante Raise. Essa merece a atenção do ouvinte pra jogar o volume no máximo quando começa. Um desacato.


Há também os momentos de calmaria e introspecção, como a celestial sequência de 7th Day e Daybreak, digna das B-sides pré-Urban Hymns do The Verve - caso você não saiba, isso é um elogio de rara equivalência.


Loose (2009)

Voltamos a 2009, o ano do surto, e temos o primeiro álbum gravado com a já citada formação mais longeva do The Ganjas. "Loose" pode ser considerado um divisor de águas na discografia, uma vez que marca não somente o primeiro registro desta formação, como uma abordagem mais crua e direta do rock 'n' roll. Mais focado nas guitarras e com uma pegada "badass", voltada pro hard rock, é a maior demonstração da influência de The Black Crowes (perceptível, por exemplo, em The Cut e na balada Loose). Canções como Heart of a Velvet Stone, Motoqueiro e Rusty Destiny fazem jus aos seus títulos e simbolizam perfeitamente essa nova direção. Mas a veia groovada, chapada e viajada, é bom que se diga, não foi ignorada. Pelo contrário, ela pulsa forte em Trip in the Eye e Heroes, com o baixo se destacando, e nas guitarras hipnóticas de Revelate e 100 Ways.


Dois anos depois, é lançado "Resistance", discaço produzido por ninguém menos que Jack Endino, lendário produtor de Seattle que trabalhou com bandas como Mudhoney, Screaming Trees, L7 e Soundgarden, além de ter produzido o "Bleach", clássico debut do Nirvana.


Resistance (2011). O início da amizade e parceria com Jack Endino.

Este é o álbum mais marginal do The Ganjas. Garageiro e revoltado, sem perder a qualidade melódica de sempre. Enxuto, com 45 minutos de duração e 9 faixas, bate rápido e passa mais rápido ainda. Principalmente na espetacular sequência inicial, formada por Resistance, Let It Down e Frozen Borderline (que tem uma introdução indescritivelmente boa). BRMC, Swervedriver e o próprio Nirvana são algumas das bandas lembradas durante a audição. Mas não seria um álbum do Ganjas se todas as faixas tivessem a mesma pegada. Realm é pós-punk, e soa como se o BRMC tocasse algo do Echo & the Bunnymen, enquanto Magnetic Depth poderia ser The Vines tocando Alice in Chains.


Como avisam os filmes da Marvel ao final dos créditos: Jack Endino voltará.


After Dark (2014)

Enfim, chegamos a 2014 e ao último álbum de estúdio lançado pelos chilenos até o momento. "After Dark" retoma o caminho do hard rock de Loose e tem como peculiaridade o fato de ser o primeiro trabalho inteiramente composto pelo vocalista e guitarrista Sam Maquieira. Destaque para as faixas Come Up, com novos ecos de pós-punk; Disgrace, um rock de melodia pop; Grey; e a belíssima Living in Satellites, uma das músicas mais relaxantes da discografia Ganjera.


Além dos 6 álbuns de estúdio, e dentre algumas compilações, vale a pena conferir o registro "Fuma y Mira" (2004), uma performance acústica que já apresentava a bandaça que The Ganjas é ao vivo, e a coletânea "Ghost River" (2015), que conta com 3 excelentes canções exclusivas, produzidas novamente por Jack Endino: Ghost River, Moon Rise e Cuadro Desierto. Aparentemente, a pandemia atrapalhou os planos de lançamento de um novo álbum, também produzido por Jack, que se tornou uma espécie de 5º Ganja, segundo eles próprios. Nos resta aguardar.


Enquanto isso, e após conferir um pouco da obra dessa inexplicavelmente desconhecida banda genial, abra uma cerveja e assista a alguns dos vários shows disponíveis no YouTube. Deixamos aqui duas dicas:



Além de ser uma performance perfeita, a apresentação começa com o relato de quando os Ganjas finalmente puderam conhecer Andy Bell, em 2011, quando abriram o show da Beady Eye no Chile. Eles viriam a se reencontrar pra mais música e goró em 2019, desta vez, abrindo para o Ride.


E este ótimo registro de 2018, que dá uma boa noção de como seria vê-los em uma casa fechada. Absurdo.

A atual formação Ganjera: Sam, Pape, Pablo e Nes.

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